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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Simone Weil, a graça sem rotulos


"Todos os movimentos naturais da alma são controlados por leis análogas às da gravidade e da física. A graça é a única exceção." Simone Weil


Simone Weil (1909-1943) foi uma mulher insuportável, idealista, ativista, engajada, asceta, iluminada e francesa. Para escândalo dos pais, recusou-se aos cinco anos a comer açúcar, porque ouviu que os soldados no front estavam privados dele. Pela mesma razão abandonou a carreira confortável de professora e foi trabalhar durante a Depressão entre gente operária numa fábrica da Renault, recusando-se a comer mais do que a ração dos proletários e participando ativamente de todos os piquetes e greves com que acenavam as lutas anti-estatistas. Problemas de saúde obrigaram-na a deixar a fábrica, mas ele aproveitou a deixa para juntar-se à causa dos radicais republicanos na sangrenta Guerra Civil da Espanha, Mesmo sendo míope e frágil, recebeu um rifle e foi incorporada a uma unidade de anarquistas jurando ao mesmo tempo jamais usar a arma que lhe colocariam nas mãos e na Resistência Francesa, em Londres; por ser bastante conhecida, foi impedida de retornar à França como pretendia; acometida de tuberculose, não teria admitido se alimentar além da ração diária permitida aos soldados, nos campos de batalha, ou aos civis pelos tickets de racionamento. Com a progressiva deterioração de seu estado de saúde, em estado de desnutrição, faleceu poucos dias depois de seu internamento hospitalar. Ela notou a subordinação, seja da social democracia à burguesia gestora do Estado capitalista, seja da Internacional comunista ou Komintern, à burocracia gestora do Estado soviético.Publicou um artigo considerado herético pelos marxistas ortodoxos "Vamos nós para a revolução proletária?", no qual enfatizava: a opressão do proletariado era causada pelas técnicas da produção industrial, presentes tanto no capitalismo quanto no socialismo burocrático vigente na Rússia. Aos materialistas históricos faltara a capacidade de enxergar o real com a lucidez que lhes permitisse tanto compreender a realidade histórica das primeiras décadas do século XX, quanto formular a crítica à infundada expectativa de uma efetiva ou iminente revolução proletária. A epígrafe desse artigo, que teve o mérito de antever a falência do socialismo real, eram os versos do Ajax de Sófocles: "não tenho senão desprezo pelos mortais que se nutrem de esperanças vãs". Talvez, como ela observou posteriormente: "não é a religião, mas a revolução que é o ópio do povo"A sua própria experiência de operária metalúrgica, iniciada alguns meses mais tarde, levou-a a mais e melhor compreender: em nenhum país onde prevaleciam as técnicas produtivas implantadas a partir do modo de produção capitalista (incluindo os que estavam sob o domínio do nazismo, do fascismo e do stalinismo), o planejamento da produção estava prestes a cair sob o controle operário; assim, os mais generosos ou corajosos militantes revolucionários, na mais trágica hipótese, seriam mártires em busca de sua própria morte. Desanimada com as atrocidades que havia visto seu próprio lado cometer, Simone reafirmou seu pacifismo. Ela escreveu "embora vivamos entre realidades mutáveis, diversas e determinadas pelo jogo volúvel de necessidades externas, agimos, lutamos, sacrificamos a nós e a outros em nome de abstrações cristalizadas, isoladas" (como nação, capitalismo, comunismo e fascismo).

Simone Weil entregou-se quase que casualmente ao cristianismo, através de uma antiquada experiência mística – no momento em que, atormentada por uma implacável enxaqueca e recitando um poema de George Herbert, ouvia um canto gregoriano na Abadia de Solesmes.
Weil havia experimentado a “união mística”, e jamais abandonaria depois disso o abraço da Graça. Porém, , recusou até o fim todas as facilidades e respostas fáceis providas pelo cristianismo institucional. Simone Weil, que amava contradições e paradoxos e os mitos de todas as culturas, permaneceria até o fim uma "secular" (como chamam os crentes).
Mais até mesmo do que o Antifascista Dietrich Bonhoeffer, Weil parece ter compreendido o tremendo distanciamento e alienação que uma era pós-religiosa exigiria de um louco que ousasse neste mundo louco perseguir a loucura de seguir a Graça. Um verdadeiro libertário mesmo que "cristão" , propuseram Weil e Bonhoeffer em vidas e vocabulários distintos, teria abrir mão do conforto de todos os rótulos, até mesmo do que lhe seria mais caro, o do próprio cristianismo.
Em seu prefácio a Waiting for God, Leslie A. Fiedler explica assim essa terrível posição:
Associar-se ao contexto de uma religião particular, sentia ela, teria por um lado exposto Weil ao que ela chamava de “patriotismo eclesiástico”, com a conseqüente cegueira para as falhas do seu próprio grupo e as virtudes dos outros; por outro, teria separado Weil da condição dos seres comuns aqui embaixo, que permanecemos todos “alienados, sem raízes, em exílio”. O mais terrível dos crimes é colaborar com o desenraizamento de outras pessoas num mundo já por si mesmo alienado; porém a maior das virtudes é desenraizar-se por amor ao próximo e a Deus. “É necessário desenraizar-se,” escreve Weil. “Corte a árvore, faça dela uma cruz e carregue-a para sempre”.
Nietzsche dizia que os cristãos de hoje, depois de dois mil anos de conforto, haviam se tornado incapazes de apreender o tremendo paradoxo que tinha sido, nos primeiros séculos da nossa era, conceber algo como “Deus na cruz” (talvez tenha sido por compaixão a essa gente que Nietzsche recriou o paradoxo com o seu conhecido “Deus morreu” – e ele acrescenta, desnecessariamente, com uma devoção de beata: “nós o matamos”).
Ler Simone Weil é deparar-se com os paradoxos do cristianismo em linguagem horrivelmente lúcida, sem maneirismos e sem disfarces. Nietzsche fingia crer que a moral cristã é impensável; Weil corrige essa generosidade, e esclarece que tudo no cristianismo é rigorosamente impensável e terrível e vertiginoso e paradoxal.
“PRECISÁVAMOS DA ENCARNAÇÃO PARA IMPEDIR QUE ESSA SUPERIORIDADE SE TORNASSE UM ESCÂNDALO”.
Um único exemplo deverá por enquanto bastar para emblemar o que quero dizer. Weil anota: “O sofrimento é superioridade do homem em relação Deus. Precisávamos da Encarnação para impedir que essa superioridade se tornasse um escândalo”.
O sofrimento é superioridade do homem em relação a Deus.
Weil cria (com os místicos medievais judeus, que talvez nunca tenha lido) que para dar espaço para o universo que tencionava criar Deus se recolhera, se diminuíra, retirara-se do universo para que o universo pudesse existir. As implicações dessa iniciativa eram, como em tudo que Deus coloca a mão, terríveis e impensáveis. Os paradoxos! Se Deus se recolheu, a soma de Deus mais o universo mais todas as suas criaturas é ainda menor do que Deus. Se o sofrimento é superioridade do homem em relação a Deus, somos deuses a quem Deus concedeu (paradoxalmente) um privilégio que ele mesmo nunca conheceu – ou não conhecera em plenitude – antes de Jesus. Semelhantemente, ele nos convida a que sejamos pequenos deuses que o imitem naquilo que ele, Deus, recusou-se a fazer: apegar-se à superioridade da sua condição.
Mais do que isso: apenas a renúncia, o altruísmo, a abstenção, são neste mundo atos verdadeiramente criativos – em que espelham o retraimento, o desenraizamento criativo de Deus. Nossa obsessão com a auto-afirmação, justamente ao contrário do que parecia sugerir Nietzsche, é que é essencialmente redundante e niilista.
Simone Weil, que teve poucos amigos, anotou certa vez no seu diário: “nunca busque a amizade… nunca se permita sequer sonhar com a amizade… a amizade é um milagre!” De fato é um  milagre. uma graça porque é algo imerecido, ninguém a merece e é completamente contra qualquer instinto de auto-preservação, mas contra toda a logica ela existe e nós ajuda vivermos bem.
Weil concluiu que duas grandes forças forças governavam o Universo: a gravidade e a graça. A gravidade leva um corpo a atrair outros corpos, de modo que aumenta continuamente, absorvendo mais e mais do Universo em si mesmo. Alguma coisa igual a essa mesma força opera nos seres humanos. Nós também queremos nos expandir, adquirir, inchar significativamente.  O desejo de "sermos como deuses", afinal, levou a humanidade a matar-se uns aos outros. Emocionalmente, Weil conclui: nós, humanos, operamos por meio de leis tão fixas quanto a lei de Newton. "Todos os movimentos naturais são controlados por leis análogas às da gravidade física. A graça é a unica exceção." Muitos de nós continuamos presos pelo campo gravitacional do amor-próprio e, assim, "tapamos as fissuras pelas quais a graça poderia passar".

Mais ou menos na época em que Weil estava escrevendo, outro refugiado dos nazistas, Karl Barth, fez o comentário  de que o dom do perdão, da graça, era para ele o mais surpreendente dos seus milagres. Os milagres quebraram as leis das físicas do Universo; o perdão rompeu as regras morais nos mostrando que somos livres. "O inicio do bem é percebido no meio do mal.... A simplicidade e a abrangência  da graça - quem as medirá?" Aquele que foi tocado pela graça não vai mais olhar para quem  se desviou como "aquela gente ruim" ou "aquela pobre gente que precisa de nossa ajuda". Nem devemos procurar sinais de "merecimento de amor". Categorias de merecimento não valem nada. Em sua autobiografia, o filósofo alemão Friedrich Nietsche falou  de sua capacidade de "sentir o cheiro" das partes mais ocultas de cada alma, especialmente a "abundante sujeira escondida no fundo do caráter".  Nietzsche foi um mestre da ausência da graça. Nós somos chamados para fazer o oposto, para sentir o cheiro dos resíduos do valor oculto.

3 comentários:

  1. Onde eu acho o texto "Vamos nós para a revolução proletária?"?

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  2. http://blogdafaculdade.blogspot.com.br/2009/09/sintese-de-opressao-e-liberdade-de.html

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